4,0,9. Esses números martelam diariamente na cabeça do estudante mineiro Victor de Oliveira Bitarães, de 19 anos, que cursa matérias de mestrado no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no bairro do Horto, no Rio de Janeiro. Mas não se trata de algum teorema sofisticado: 409 é o número da linha Saens Peña - Jardim Botânico, que funciona como um passaporte para percorrer a cidade.
- O 409 me leva para todos os lugares de que gosto ou preciso – conta ele, bolsista no IMPA e morador na Lapa. – praia, cinema, instituto, casa. Parece que ele anda por todos os lugares do Rio.
Viver na Cidade Maravilhosa é quase um sonho. Oriundo de uma família humilde – a mãe é faxineira e o pai, pedreiro –, Victor estudou a vida toda em escola pública e só despertou para a matemática graças à OBMEP.
- Fiz a segunda edição da OBMEP, em 2006, e ganhei uma menção honrosa. Mas só fui entender do que se tratava a Olimpíada no ano seguinte, quando conquistei uma medalha de bronze. Só aí entendi que aquela mania de fazer contas podia me dar um futuro – conta.
Nos cinco anos seguintes, o rapaz conquistou o pentacampeonato, ou seja, cinco medalhas de ouro. Nada de tão espantoso assim para alguém que, desde pequeno, já demonstrava uma inteligência acima da média.
Com a OBMEP, a relação também começou assim meio de brincadeira. Victor fez a primeira prova quando estava na 6º série e sequer foi avisado com antecedência para estudar. Quando soube que tinha se classificado para a segunda fase, resolveu se dedicar mais.
- Adorei o estilo da prova, que era muito diferente do que a gente fazia no colégio. Na segunda fase, não bastava responder, era preciso justificar – lembra.
No ano seguinte, quando soube do resultado da primeira tentativa – a tal menção honrosa – Victor achou que era hora de levar a sério. Mas sem apoio na escola, teve que estudar por conta própria. Como estava na 7ª série, pegou um livro da 8ª e resolveu todas as questões, justificando suas respostas.
- Foi um esforço espontâneo. Mas deu certo, porque fui convidado para fazer o Programa de Iniciação Científica da OBMEP no ano seguinte – diz.
No PIC, que acontecia em fins de semana alternados, as atividades eram bem diferentes das propostas em sala de aula.
- Ali eu descobri que queria aprender aritmética modular. Entendi que seria uma solução para a vida inteira – afirma.
Uma das coisas que encantou Victor foi aprender sobre classes de equivalência, que ele explica com a maior facilidade. “O resto da soma de dois números é igual à soma dos dois restos”, diz ele, que gosta de aplicar pegadinhas matemáticas.
- Em um estacionamento, você tem 60 rodas e igual número de carros e motos. O número de carros e motos é igual. São quantos carros e quantas motos? – indaga, tentando pegar a repórter pelo pé.
Ao ouvir a resposta “dez” – correta, por sinal –, ele pede a justificativa e acaba revelando o que considera uma das belezas da matemática moderna: diversos caminhos podem levar ao mesmo resultado.
- Isso é raciocínio lógico. Cada pessoa pensa de um jeito, mas todas chegam ao mesmo valor. Isso não é lindo? Depois que entendi o que era raciocínio lógico, meu desempenho escolar geral melhorou. Você aprende a interpretar textos e isso vale para qualquer disciplina.
Na avaliação de Victor, levar o estudante a ver a beleza dos números é justamente o desafio do ensino de matemática no Brasil. Ele lembra que, nos colégios por que passou, a disciplina era ensinada de maneira “convencional e monótona”, e acredita que muitos talentos se perdem justamente pela falta de incentivo.
- Os alunos não têm desafio na sala de aula. Para uns, a matemática parece chata. Para outros, um bicho-papão. Quando somos premiados na OBMEP e vamos para o PIC, descobrimos um mundo novo. Pena que, em muitas escolas, os alunos não encontrem estímulo para estudar – afirma.
O próprio Victor é um exemplo de superação. Quando chegou ao PECI (Preparação Especial para Competições Internacionais) - programa da OBMEP que seleciona e treina alunos para conseguirem participar de olimpíadas internacionais de matemática, ele estudava à noite e, muitas vezes, em sua escola, na Grande Belo Horizonte, os colegas de turma quebravam as lâmpadas para que não houvesse aula...
- Ele chegou em condições muito difíceis – lembra o professor Fábio Brochero, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). – Vinha de uma família simples e de uma escola sem as mínimas condições. Mas já se destacava pela facilidade com que analisava problemas e descobria soluções – conta o professor.
Victor fez parte da primeira turma do PECI, em 2009. Inicialmente, as aulas do programa eram no Rio. Hoje são em Brasília, com uma média entre 25 e 40 alunos que estão cursando o 8º ou 9º anos do Ensino Fundamental ou os três anos do Ensino Médio. O estudante mineiro também chamou a atenção do coordenador do PECI, Paulo Rodrigues, por sua inteligência:
- Em sala de aula, ele rendia muito, mas ficava ansioso na hora das provas. Demorou um certo tempo para participar de uma olimpíada internacional. Mas ele tem um potencial incrível. E é um garoto brincalhão.
Na Olímpiada Internacional de Matemática (IMO), o rapaz conquistou uma menção honrosa. Voltou da Colômbia, onde aconteceu a competição, impressionado com a dedicação dos estudantes chineses.
- Eles ganharam tudo. São muito aplicados, porque, perder, significa desonra para a família – lembra.
Victor completa 20 anos em janeiro e está ainda buscando um caminho para aplicar o seu talento. Já tentou a faculdade de Engenharia Química e Matemática Aplicada, mas parou. Acaba de fazer Enem, na certeza de que conseguirá uma vaga na UFRJ, em Matemática. Decididamente, a engenharia ficou para trás. Por enquanto, estuda análise combinatória no IMPA.
- Quando você nasce em uma família simples e chega ao fim do Ensino Médio, rola uma pressão para escolher uma profissão que dê dinheiro e ninguém vê a matemática dessa forma. Mas esse é o meu sonho e não vou mais abrir mão dele – assegura.
Desde que veio para o Rio, Victor já deu aulas em um cursinho pré-vestibular, morou na casa de um aluno e, agora, se mantém com a bolsa que ganha no IMPA. Ele conta que é o primeiro da família a chegar à universidade: a mãe completou o Ensino Médio, mas o pai nem chegou ao fim do Fundamental.
- Mas eles sempre foram os melhores alunos de suas turmas. Não tiveram oportunidade. Pararam de estudar para ajudar a família.
O rapaz sabe que, por conta dos seus estudos e dos resultados que vem obtendo ao longo da vida, está tendo oportunidades que os pais não tiveram.
- Não me vejo como alguém que tenha uma inteligência privilegiada, fora do comum. É necessário muito esforço para que as nossas capacidades se desenvolvam e se transformem em resultados. Você pode nascer com algum talento, ou com alguns talentos para determinadas coisas, mas sem determinação, sem muita dedicação, você não vai a lugar algum. Não existe essa coisa de ser o escolhido. Tudo na vida vem com muito suor – acredita.